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O investimento que quase ninguém está a fazer em inovação

As pessoas são o maior valor que temos para criar uma sociedade justa, adaptável, resiliente e inovadora. Nesta época da história em que as sociedades estão em constante mudança, a adaptação que nos é exigida beneficia com a inclusão de pessoas extraordinárias, com mentes divergentes. Neste artigo escrevo sobre o investimento que quase ninguém está a fazer em inovação, nos recursos humanos mais valiosos que temos: crianças com alterações do desenvolvimento. Não basta remediar, é preciso integrar.


Vida é movimento


Faça este exercício comigo.


Imagine uma pedra. Pode ser pequena ou grande, amarela, cinzenta ou cor-de-rosa.


Agora pense numa planta. Qualquer uma. Pode ser uma couve, uma erva daninha, uma árvore ou o seu legume preferido.


Compare a vida presente na pedra e a vida que existe na planta. Ambas têm energia. Ambas são essenciais à vida. Mas qual tem mais vida? Qual tem energia mais elevada?


Agora imagine o seu animal preferido (se tiver, se não tiver arranje um porque precisa mesmo ter um animal preferido).


Quem tem mais vida, a planta que imaginou ou o seu animal preferido?


Plantas e animais têm energias diferentes. Qual é a diferença basilar entre ambos os seres vivos?


A resposta é: MOVIMENTO.


Pensamento é movimento


Os minerais são elementos que constituem tudo o que está vivo. Não vivemos sem os micronutrientes, no entanto não os consideramos vivos porque não se mexem.


As plantas, embora não se desloquem, têm vida porque nelas há movimento constante a partir das trocas com o sol e com a terra. Crescem e multiplicam-se.


O expoente máximo da vida são os animais. Com capacidade para se moverem livremente, conseguem adaptar-se a ambientes diversos e deslocar-se para meios mais favoráveis para sobreviverem.


O movimento é um reflexo da vitalidade, é também um reflexo do nível de consciência.

Pedras e plantas têm uma energia própria que não lhes dá a complexidade necessária para serem conscientes. Já os animais são seres sencientes, com diferentes níveis de consciência de acordo (em grande parte) com a complexidade de movimentos que conseguem executar.


A fala é o mais complexo de todos os movimentos humanos


Quando pensamos nos seres humanos também os catalogamos de acordo com o que conseguem fazer.


Por muito incómoda que possa ser a afirmação anterior é a verdade que está na base de muitos preconceitos.


As crianças com alterações de movimentos, as pessoas adultas com doenças que afetam o movimento, são ambas consideradas menos capazes pela generalidade das pessoas. Quando pensamos em pessoas menos capazes nestes termos, consideramos que têm menos vida ou menos impacto na sociedade. Isso é um erro!


Adultos e crianças são tratados com condescendência e como “coitadinhos”, como se tivessem menos valor social.


Esta é a primeira falha no processo de inclusão: a mentalidade “dos coitadinhos”. Esta linha de pensamento coloca alguns seres humanos como superiores a outros. É o princípio da exclusão, da segregação, do racismo e de todos os preconceitos de género.


Crianças, adolescentes e adultos são excluídos de direitos básicos porque, em geral, a sociedade não os considera capazes de criar valor.


A criança mais hipotónica do mundo


Num quadro de hipotonia (baixo tónus muscular) a ativação dos músculos é lenta e, por vezes, quase inexistente.


Nascer com um diminuição dos movimentos é ter menos vida? Socialmente sim. É isso que representa para a sociedade uma criança com défices neuromotores. Alguém que precisa de cuidados constantes e que não tem capacidade para dar um contributo significativo para construir um mundo melhor.


O que falha nestes raciocínios comuns, que parecem lógicos para muita gente, é a capacidade de transformação e mudança. A evolução ou o desenvolvimento.


Trabalho há alguns anos com a criança mais hipotónica do mundo (uma das crianças com atrofia muscular espinhal, tipo I) e é nesta criança que temos um reflexo do quando a sociedade está errada nas suas suposições.


Neste caso, a terapia da fala sob o paradigma do desenvolvimento integral tem como áreas de atuação:

  • a respiração,

  • a alimentação (deglutição e mastigação),

  • a fala,

  • o desenvolvimento global.


E a linguagem?


A linguagem é uma ferramenta do pensamento e da consciência (ou espirito)


A linguagem nas crianças com hipotonia com que trabalhei/o desenvolve-se mais rapidamente do que no processo de desenvolvimento dito normal.

(Isto acontece sempre que não há défices neurológicos).


A ausência de movimento numa fase inicial da vida promove o desenvolvimento avançado de competências cognitivas. Atenção, integração sensorial, memória, vocabulário, complexidade sintática, compreensão.


A compreensão é o que define a consciência (ou espirito) e está intrinsecamente ligada ao trabalho de linguagem feito na terapia da fala.


O impacto que um ser humano tem na sociedade não se mede por aquilo que um grupo de pessoas pensa que esse ser humano não pode fazer.

O impacto social de cada pessoa tem um efeito sistémico, ou seja, não pode ser detetado numa linha de causa efeito simples.


Quando uma criança cresce com uma alteração de desenvolvimento e a supera, cria-se uma mente divergente que vê além das normas, uma mente excecional. Esta criança representa uma evolução na consciência humana e não uma consciência limitada.


Imagine que uma das crianças com perturbações neuromotoras tem a capacidade inata para ganhar o prémio nobel. O que temos de fazer como sociedade para lhe dar as condições de se desenvolver integralmente?


Promover a inclusão e o desenvolvimento humano é o que faz avançar a sociedade e a nossa humanidade.

Da mesma forma que é superando as limitações que os adultos se tornam excecionais, é superando as alterações de desenvolvimento infantis que as sociedades se tornam excecionais.


A inclusão, mais do que um clamor de suporte a coitadinhos, deve ser vista como o processo de promoção de excecionalidade que cria valor. Só quem pensa diferente consegue fazer diferente e inovar. Estes são os seres humanos que podem fazer a maior diferença a nível de inovação e que muitos consideram “os coitadinhos”.


A falta de visão sistémica sobre o impacto que a superação das perturbações de desenvolvimento tem na construção de um mundo melhor é dramática. E tudo começa pelo desconhecimento e por um sentimento de superioridade egoísta.


Muitas pessoas adultas pedem mudanças como crianças: escrevem uma carta ao pai-natal. Sem saber como fazer as mudanças acontecer. Sem perceberem que aqueles que são mais frágeis hoje, com o devido suporte, podem transformar-se nos mais fortes, em elementos chave para a evolução da humanidade.


Qual das crianças a quem não proporcionamos um desenvolvimento integral tem as capacidades extraordinárias que o mundo precisa e não as consegue expressar?


Que sociedade se pode dar ao luxo de descartar estas crianças para segundo ou terceiro plano?


A resposta: uma sociedade que, por ser desumana, não vai a lado nenhum, que definha enquanto outras sociedades evoluem.


A inclusão é uma necessidade básica. Quando só existe no papel, o país fica mais pobre hoje e no futuro.

 

Viva integralmente,

Andreia

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