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Café com Pires

Porque é que cuidarmos de nós não é a norma?



Amor, uma palavra difícil de definir. Um sentimento variado, múltiplo, nem sempre compreendido, nem sempre recíproco. Que amor existe quando nos servimos, em casa, de um café com pires? Porque é que cuidarmos de nós não é a norma? E o que é que tudo isto tem a ver com o desenvolvimento humano e social? Vamos explorar estes caminhos sinuosos neste artigo. Continue a ler.









Porque será que tanta gente tem dificuldade em tratar bem de si mesma? Porque será que tanta gente fica surpreendida por ser bem tratada? Será que ser bronco é bem visto? Ou o caráter utilitário das rotinas e interações faz-nos desligar da nossa essência física? É cultura? É natural? Porque raio é que a norma é não prestarmos atenção aos pormenores que nos fazem sentir bem?


Nem sei quantas pessoas ao longo dos anos ficaram surpreendidas por serem servidas com um simples café com tudo o que um ritual de tomar café tem direito: chávena escaldada, café de boa qualidade, servido num pires com guardanapo, por vezes num tabuleiro. E o que será que isto tem de especial?


Para mim, que faço este ritual uma ou duas vezes ao dia, não tem nada de extraordinário. Para muitas pessoas, darem-se ao trabalho de atender a pormenores como servir um café com pires é quase um sacrilégio. Há pessoas que nem sabem onde têm os pires de café, de tão escondidos que estão nos armários.


Quando é que o ritmo de vida acelerou tanto que o ritual do café ou do chá se tornou utilitário? E o que é que isto tem a ver com a saúde das pessoas?


Os japoneses têm no ritual do chá um momento de pausa, de integração de todos os sentidos no momento presente. Este ritual tem os mesmos benefícios da meditação. Com a vantagem extra de ingerir uma bebida rica em antioxidantes.


O mesmo se aplica ao ritual do café. Existem comunidades de apreciadores de café que fazem de cada chávena de café uma experiência quase religiosa. Há todo um ritual envolvido na preparação e consumo do café.



E depois chegaram as pressas americanas. O café para levar, o chá tomado em movimento, sem qualquer atenção ao sabor, sem qualquer atenção ao nosso próprio interior. Estas bebidas consumidas pelos benefícios da concentração extra que proporcionam aos cérebros, para efeitos de aumentar a produtividade, perderam qualidade. A sociedade perdeu rituais que cultivam presença; os serviços de saúde ganharam um excesso de clientes jovens com doenças de clientes tipicamente mais velhos.


A culpa é da religião! Gostava que fosse verdade, porque sou contra ter pessoas a imporem-me uma falsa moralidade. Neste caso, apenas posso culpar a religião pela baixa autoestima generalizada da população. A religião e os fascistas, no caso português.


A pressa em fazer muitas coisas e muito rápido é um comportamento com origem multifatorial, mas em grande parte, resulta de fenómenos de aculturação do estilo de vida norte europeu pós revolução industrial e do estilo de vida americano. Por isso, podemos culpar os filmes e as séries. Em relação a esta regra de arranjar culpados para tudo, nisso voltamos a responsabilizar a religião.


De acordo com a norma, apenas as pessoas importantes ou as ocasiões especiais são merecedoras de cuidados que deviam ser constantes. Apenas os outros são importantes e o amor-próprio é sintoma de avareza ou vaidade, ou algo que lhes pareça.


O corpo foi posto de lado, só o espírito conta, porque somos seres espirituais. O corpo é a fonte de pecados, o prazer é sempre mau por levar a tentações. Etc. Isto tem sido incorporado nas mentes das pessoas por várias tradições religiosas desde antes da idade média.


As origens desta desgraça são tantas e ao mesmo tempo acabam por levar sempre ao mesmo ponto de origem. Alguém, ou um conjunto de pessoas, que considera saber mais sobre a conduta ideal para todos os outros que, coitaditos nada sabem sobre o que é isso de viver.


Somos seres sociais e, por isso, assimilamos as normas culturais tanto pelo que nos dizem, como pelo exemplo do que fazem as pessoas com quem nos relacionamos. Quando uma sociedade, de forma geral, negligencia os cuidados com o corpo, coloca nas suas prioridades os afazeres que se relacionam com a profissão e as funções sociais, e em último lugar ficam os autocuidados, o resultado final é uma população doente.


Surpreenda-se!


A maioria das doenças mentais não começa na mente, começa no corpo.

Os primeiros sintomas de que algo está errado são sempre físicos. O que acontece é que temos uma cultura em que somos habituados a ignorar os primeiros sintomas de mal-estar que estão na origem de uma série de doenças mentais e de doenças consideradas crónicas.


Quando não prestamos atenção ao que o nosso corpo nos diz diariamente, estamos a ignorá-lo, a negligenciá-lo. Já nem consigo contar o número de pessoas que disse, “eu? eu não importo, quero é que isto ou aquilo aconteça”.


Mais uma vez, é a cultura do martírio – nem vou salientar a origem do fenómeno! A pessoa sacrifica-se para que outra pessoa seja colocada em primeiro lugar. A questão é que para cuidar dos que amamos, temos de ter saúde, caso contrário quem vai cuidar de quem?


Saber amar é algo que aprendemos a fazer. O primeiro amor, a base de toda a aprendizagem, é o amor-próprio e traduz-se em comportamentos de autocuidado. Estes comportamentos são a referência de como tratamos os outros, e de como esperamos ser tratados também.


Quando uma pessoa diz “para mim qualquer coisa serve, despacha lá isso”, está a dizer que não merece a atenção, a dedicação ou o que quer que seja que lhe está a ser apresentado. Basicamente, está a “deitar-se abaixo”. E o que é que vai acontecer quando os papéis se inverterem? Vai tratar o outro como normalmente se trata a si própria.


Há demasiado tempo que fazemos tudo a correr, e em simultâneo, não corremos o suficiente no que se refere ao exercício físico. Somos uma sociedade de mártires e isso está a aumentar o sofrimento generalizado. Ou melhor, estava, porque algumas pessoas começaram a mudar.

São muitas as pessoas que procuram livros e serviços de desenvolvimento pessoal. São pessoas que já perceberam que não é no convencional que está a sabedoria, mas no que há de inovador e progressista. Muitas vezes, descobre-se que progredir significa voltar à nossa essência.


Viver melhor implica integrar todas as dimensões do nosso ser. Sermos inteiros é o oposto de estarmos doentes.


Os rituais diários que permitem atender aos sentidos, parar a mente por instantes, sentirmo-nos especiais, resultam em ganhos de felicidade. Já experimentou ser feliz quando está doente?


A felicidade e sentir-se mal são o oposto. A promoção da sua saúde pessoal aumenta exponencialmente a probabilidade de ser feliz, e de se tornar profissionalmente mais produtiva/o.


Todo o cuidado que dedicamos a nós mesmos, resulta em ganhos para a sociedade como um todo. Como é que alguém pode saber amar os outros sem se amar a si próprio? É nas pequenas coisas que fazemos por nós, todos os dias, que medimos a nossa capacidade de amar.


Quando o amor é a norma, somos pessoas inteiras. Algumas normas não dependem da nossa vontade, noutras temos liberdade de escolha. Vai escolher viver integralmente?


Viva integralmente.

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