A importância de ser rebelde na Terapia da Fala
- Andreia Ferreira Campos
- 28 de abr.
- 4 min de leitura

Quando me dizem que o meu trabalho não tem grande impacto na sociedade global, reviro os olhos e penso palavras pouco graciosas sobre a inteligência dessas pessoas. Depois lembro-me que não sabem o que dizem e a raiva interna dissipa-se. Ser rebelde não é sinónimo de andar sempre em guerra. Neste artigo revelo-lhe a importância de ser rebelde na terapia da fala, e espero que seja das pessoas com inteligência q.b. para compreender o impacto social do paradigma do desenvolvimento integral aplicado à terapia da fala.
Transcender o convencional
A ciência evolui à medida que o desconhecido integra os paradigmas em vigor. O novo/o desconhecido é notado e provoca uma inquietação. A disrupção que levanta questões que começam por “e se…”. Daí surgem as novas hipóteses, que potencialmente resolvem velhos problemas.
A rebeldia é uma forma de atrevimento. Atrevo-me a ser diferente e, para isso, tenho de pensar de forma diferente. Deixo-me contagiar por outras áreas de saber, para além das convencionais, e esbato as fronteiras entre disciplinas. A unificação do conhecimento é uma aproximação da verdade.
Os atrevimentos, por vezes, pagam-se caros. A tradição resiste. As convenções temem pelo poder instalado e desacreditam a inovação.
O que nunca podem desacreditar são os resultados. É por isso que para os rebeldes, com uma causa, o tempo é o melhor amigo. O tempo traz os resultados e, por vezes, se tivermos mesmo sorte, pode nem trazer muitas rugas. Já dos cabelos brancos, não digo nada… :) Neste caso a minha rebeldia, por ir contra o que é convencional, é aceitar os fios brancos e não ocultar as marcas da passagem do tempo.
O tempo é a medida da mudança
Gosto do tempo que tenho, da vida que tive (quase sempre) e do que ainda está por ser vivido. Disso, gosto ainda muito mais do que do passado.
No trabalho, como na vida pessoal, o novo incomoda um bocadinho quando chega, acorda inseguranças antigas, mas a rebeldia é um hábito.
Ter o hábito de inovar, é tramado, porque nos afasta das pessoas que estão sempre paradas nas suas certezas absolutas.
A inovação é um lugar solitário, e as pessoas inovadoras aprendem a aceitar a solitude como um elemento fundamental da vida. Por um lado, porque é necessário silêncio para criar algo novo. Por outro, porque a evolução torna muitas convenções completamente insignificantes e outras perturbadoras. É um exercício de paciência conviver com a normalidade. Aproveito sempre para treinar a respiração.
A procura do excecional
A normalidade olha para as crianças e jovens com quem trabalho e vê defeitos. Tudo aquilo que não conseguem fazer. As imaginações normais não conseguem imaginar as imensas possibilidades do paradigma do desenvolvimento integral, por isso sentem pena dos meus clientes. E eu penso, “O universo tem um sentido de humor muito apurado!”, e sorrio.
Gosto de desfechos do tipo “David contra Golias”. Não por ter vontade de andar à pedrada a alguém, mas porque o combate contra as injustiças define grande parte da minha motivação profissional.
Não é aquilo que a terapia da fala traz para minha vida, é antes tudo o que eu, Andreia, levo para a terapia da fala, e me permite mostrar a excecionalidade da vida dos que são menos considerados e, muitas vezes, desprezados pela sociedade, que me motiva.
É preciso ter uma coragem tremenda para dizer ao mundo que os "aparentemente menos capazes" serão excecionais e fundamentais na sociedade. E isso assusta até os pais das crianças com quem trabalho. Afinal, o outro filho ou filha que sempre foram bons alunos ficam como nesta história da excecionalidade? Ficam na vida deles, como cada um de nós.
Não é o objetivo de todos que os alunos aprendam bem e tenham boas notas? Sim, isso é ótimo, mas não faz de alguém inovador(a).
Numa era em que a inteligência é cada vez mais artificial, os inovadores são as pessoas que têm a capacidade de pensar de forma diferente, de sair das normas, de fazer o novo e acrescentar mais conhecimento à nossa inteligência coletiva.
Que tem isso a ver com a Terapia da Fala?
As crianças e jovens com que trabalho pensam de forma diferente. Quanto mais graves as dificuldades de desenvolvimento, mais diferenciada é a forma de trabalhar dos seus cérebros. O que lhes dá competências que uma pessoa com um desenvolvimento típico não tem oportunidade de desenvolver.
Quando estes seres humanos ultrapassam as dificuldades de comunicação, linguagem e fala ficam com uma voz ativa nas suas próprias vidas e na vida em sociedade. Transformando-se nas pessoas excecionais que vão trazer inovação ao mundo.
O paradigma do desenvolvimento integral dá-nos a capacidade para olhar e ver além das dificuldades, permite ver as possibilidades e, com isso, planear uma intervenção que faça cada um destes seres extraordinários chegar ao nível de desenvolvimento supranormal.
Aparentemente são os últimos, o paradigma do desenvolvimento integral aplicado à terapia da fala mostra-lhes que podem ser os primeiros. Cada um naquilo em que é mais excecional.
A nós, como sociedade, este trabalho é relevante porque elimina as fragilidades sociais que esgotam famílias, sistemas de saúde, e reduzem a produtividade nas empresas. Quando como sociedade cuidamos e potenciamos a inclusão dos mais frágeis, tornamo-nos numa sociedade anti-frágil.
Uma sociedade inclusiva é próspera, adaptável a qualquer circunstância, sustentável e que promove a felicidade de todos, ao investir no desenvolvimento integral das pessoas.
Por uma sociedade inclusiva temos de ser muitas vezes rebeldes, mas por uma boa causa.
Viva integralmente,
Andreia
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