Integralmente
- Andreia Ferreira Campos
- 4 de jan. de 2021
- 5 min de leitura
Atualizado: 27 de set. de 2023

O que acha que lhe aconteceria se no seu treino de fitness trabalhasse apenas pernas e nada mais?
Desproporção – é a resposta.
O seu corpo ficaria desproporcionado. Uma parte mais forte e desenvolvida do que as restantes. A forma das desproporções dependeria da genética, da alimentação e do tipo de atividade física que o seu trabalho lhe exigisse.
Desenvolvimento é mobilidade, mobilidade para a liberdade, para a construção de um ser humano melhor capaz de se adaptar às circunstâncias do mundo, melhor capaz de as compreender e, com isso, de viver mais feliz (espera-se!).
A questão é que o desenvolvimento para ser eficaz tem de ser integral. De outra forma, criam-se desproporções ou desequilíbrios, que podem impedir o próprio desenvolvimento.
Onde estão as desproporções?
Eu considero (e outras pessoas, muitas pessoas mais, também consideram) que se pode pensar no desenvolvimento integral atendendo a 3 domínios: físico, mental e espiritual.
O domínio físico rege a forma como interagimos com o mundo físico. Como nos movemos, como comunicamos; e a saúde física é a base estrutural deste domínio.
Se apenas fosse assim tão simples…
A verdade é que a saúde física é muitas vezes influenciada por processos mentais. Pois os 3 domínios do desenvolvimento integral interagem entre si, são interdependentes (fixe esta palavra, é de extrema importância e está na moda).
Ao nível mental temos as capacidades cognitivas e as emoções, ou melhor os sentimentos, pois as emoções são físicas.
A interação entre o físico e as capacidades mentais criam competências que modelam a nossa forma de agir no mundo, as nossas escolhas e a forma como compreendemos o próprio mundo.
Esta compreensão entra já no domínio espiritual, que não tendo nada de religioso, se prende com a compreensão de nós mesmos, do mundo à nossa volta e da relação entre um e outro. Prende-se com o sentido da vida pessoal e, o sentido mais lato, da vida da humanidade.
Na prática, o mundo espiritual rege a evolução humana. Não se evoluímos ou ficamos estáticos, mas a direção em que evoluímos – não é possível não evoluir, o que pode ser escolhido é o sentido e o ritmo da mudança.
É por isso que quando se usa a expressão “vamos mudar o mundo” o seu uso está errado. O mundo muda sozinho, é impossível não haver mudança, a mudança é imparável.
As mudanças decorrem de processos naturais e da evolução humana (que por sua vez tem por base outros processos naturais, associados a capacidades estruturais, como a linguagem). Para percebermos isso basta pensarmos nas mudanças cíclicas de noite/dia e das estações do ano. Toda a natureza está em contante mudança e nós, seres humanos, somos parte da natureza.
Somos uma parte muito importante da natureza porque, ao contrário da maioria dos animais, podemos escolher o rumo da mudança. E as nossas escolhas têm um impacto gigantesco no mundo, vejamos como exemplo as alterações climáticas.

É o domínio espiritual do nosso desenvolvimento que nos orienta em caso de dúvida. A questão é que muitos dos nossos comportamentos estão tão enraizados em velhos hábitos que simplesmente não suscitam dúvidas. Não refletimos sobre eles, e como tal não os mudamos por inconsciência. Uma inconsciência generalizada. Pensar cansa, dá trabalho. É mais fácil recorrer a uma qualquer forma de entretenimento e, nas situações difíceis, fazer o que a maioria faz.
Afinal a maioria deve ter razão, certo? E se não tiver?
É a dimensão ou domínio espiritual do nosso desenvolvimento que produz a harmonia, a compreensão, a autonomia e a sustentabilidade de todo o nosso ser.
Quando alguma criança tem uma alteração de desenvolvimento todo o seu ser é afetado. Não temos apenas problemas físicos, ou problemas mentais ou problemas espirituais. O desenvolvimento é integral e cada domínio interage com os restantes, desde o nascimento.
Descartes e outros iluministas separaram a razão da emoção, o corpo da mente, e com essa separação criaram um gigantesco desequilíbrio na compreensão na natureza humana.
Há muito que o corpo vinha a ser demonizado pela religião, e as ideias iluministas agradaram essas crenças. Mas se pensarmos bem, conhece alguma mente sem corpo? E quando o corpo adoece a mente sofre, certo?
Cada vez mais damos importância às funções do corpo como base estrutural de todo o nosso ser. Este é o sentido da evolução humana atual.
No meu trabalho, como terapeuta de fala e formadora, foco sempre a importância do corpo quer no tratamento das patologias de comunicação, linguagem e fala, quer na compreensão de processos de desenvolvimento social e aprendizagem. Os sintomas cognitivos e linguísticos podem ter causas físicas. É fundamental para o sucesso das intervenções distinguir sintomas de causas, seguindo os processos do desenvolvimento integral.
O desenvolvimento é integral, e se nos centrarmos apenas em processos mentais ou apenas em retiros espirituais estamos a distorcer a realidade, a distorcer a verdade. Criando uma ilusão, visto que a verdade não muda só por não a querermos ou não conseguirmos ver.
A promoção do desenvolvimento integral do ser humano é uma das tendências globais de desenvolvimento humano. E tem repercussões ao nível do desenvolvimento social, do desenvolvimento económico, do desenvolvimento do planeta.
Com isto quero deixar claro, que a evolução de cada ser humano tem efeitos sistémicos. Como vivemos num mundo interdependente tudo o que fazemos tem impacto no todo. Um impacto que pode ser tão ligeiro como o bater de asas de uma borboleta, aparentemente insignificante, no entanto, sabemos das teorias sistémicas, que esse ligeiro bater de asas pode provocar uma tempestade do outro lado do mundo.
A interdependência relacional faz com que todos estejamos interligados, com que ninguém seja dispensável. A dificuldade em aceitar este facto resulta da falta de visibilidade entre causas e efeitos.
Quando abordamos o desenvolvimento de forma integral seguimos processos não-lineares.
Nestes processos a mesma causa pode ter diferentes efeitos, e o mesmo efeito pode ter diversas causas. Isto angustia os menos conhecedores. O desconhecimento gera ansiedade e as pessoas face à incerteza buscam as respostas seguras do passado na esperança insana de que resultem.
- Guess what…
- What?
- Não resulta!
Processos lineares de pensamento não resolvem problemas complexos do tipo integral, ou sistémico. A complexidade chegou. É um subproduto da evolução humana. Vive connosco nas nossas estruturas urbanas, redes informáticas, organizações públicas e laborais, está por todo o lado, principalmente na simplicidade do meio natural.
A civilização é complexa, as respostas às grandes questões civilizacionais do nosso tempo têm de ser respostas integrais, sob pena de negligenciarmos uma parte da realidade e criarmos desequilíbrios ainda maiores do que os que já existem.
Não nos sendo possível atender ao desenvolvimento da humanidade como um todo, a única opção é que cada um faça a sua parte para que o todo funcione de forma equilibrada e justa.
Quando procuramos o nosso desenvolvimento integral pessoal estamos a fazer bem a toda a humanidade. Por outro lado, quando negligenciamos uma parte do nosso ser estamos a prejudicar-nos a nós próprios de forma direta e a todos os outros seres humanos de forma indireta.
Viva Integralmente
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